Ago | 2020 – Sabemos que a Selic alcançou seu menor patamar da história, tirando o Brasil da liderança com o maior juro real do planeta. Isso é transformador e certamente mudará a postura dos investidores e empreendedores. O juro real, que é a taxa de juros referencial descontada pela inflação de um determinado período, está negativo (gráfico abaixo), ou seja, a remuneração fixada pelo Banco Central é menor que a desvalorização do dinheiro ao longo do tempo. Isso significa que se você conseguir investir com uma taxa equivalente a 100% da Selic ainda estará perdendo dinheiro.
Ainda não temos taxas nominais negativas, como ocorre em diversos países da Europa, mas no nível em que estamos, o investidor que quiser preservar o seu patrimônio terá que rever suas estratégias e tomar mais riscos.
Não quero entrar no mérito da estratégia da equipe econômica e do Banco Central, para isso ofereço outro artigo, Você acredita na sua moeda?, onde provoco algumas reflexões importantes: é saudável o atual patamar da Selic ou o BC errou a mão? Temos autoridade e reputação para bancar esse nível de juros? Ficamos sem margem de manobra para ajustes na política monetária? Expansão monetária na esteira do “quantitative easing” é uma solução plausível para o Brasil? O déficit fiscal é fundo perdido? Repasse do lucro cambial do BC obtido com as reservas internacionais para o refinanciamento da dívida pública do tesouro?? O Estado tem autoridade e moral para gerir a moeda? Respondidas essas perguntas, constataremos uma drenagem dos recursos para o ouro, Bitcoin e sobretudo para o mercado imobiliário, o que já esta acontecendo.
Com reflexões ou não, o fato é que as coisas mudaram muito e uma boa estratégia patrimonial demandará uma visão de longo prazo e um bom conhecimento dos cenários à frente. Considerando a longeva liderança do Brasil como o melhor pagador de juros, é natural que o Real tenha sobreposto os ganhos de grande parte dos ativos ao longo dos últimos anos. Foi a forma de financiar o déficit fiscal recorrente. Analisando o período dos últimos 10 anos, observa-se que a Selic bateu todos os ativos, menos o dólar e há razões estruturais para isso (gráfico abaixo). Não há sistema produtivo e social que consiga desenvolver e prosperar num cenário como esse. O resultado está nas ruas.
Por outro lado, quando comparamos com um período mais longo, 16 anos (limitado pela série histórica do preço médio dos imóveis disponível a partir 2004), as coisas mudam. Expurgada a recente erosão do Real em relação ao dólar (40% só em 2020 | Jan a Ago), o imóvel(*) liderou as demais opções depois da Selic. No período mais recente, 10 anos, foi praticamente impossível superar os prêmios do juro real brasileiro. Trata-se de uma competição absolutamente desleal. Isso sem falar no Bitcoin, que na paridade com o Real valorizou 227.000% em 8 anos, propulsado pela subida do dólar. Sinal de fumaça ou o mercado está em busca de ativos menos atrelados ao Estado?
Esses registros trazem uma mensagem importante. Se durante o reinado da Selic os outros ativos ficaram para trás, o que acontecerá agora num cenário com juro real negativo? Se estudarmos a Europa, onde esse movimento iniciou há mais de 10 anos, vamos perceber uma migração massiva dos investimentos para outros mercados, notadamente o imobiliário. Se observarmos o Índice de bolha imobiliária global produzido pelo UBS (figura abaixo) veremos que praticamente todos mercados que zeraram ou negativaram suas taxas de juros assistiram a uma debandada dos investimentos para os mercados de ações e imobiliário. Resultado: as ações estão com múltiplos irracionais e os imóveis sobrevalorizados naqueles países. Na Alemanha, por exemplo, a corrida em busca dos ativos reais resultou na supervalorização dos imóveis nas principais cidades do país.
O Ibovespa já recuperou, em reais, 67% em relação a março de 2020 (pico da crise) e está na alça de mira do nível pré-covid, 119 mil pontos. Apesar de todas as crises (política interna, covid-19, cenário internacional) a bolsa vem se beneficiando enormemente da expansão monetária (interna e externa) e da queda dos juros.
E o mercado imobiliário? Podemos dizer que é a bola da vez? Os dados sugerem que sim, e não faltam razões para isso. Vamos começar pelo valor. Como vimos nos gráficos anteriores, sobretudo na janela de 10 anos, os imóveis não conseguiram vencer as aplicações financeiras. Qual a mensagem? Ora, se os imóveis perderam terreno é sinal que o seu valor pode estar defasado, e isso é pode indicar uma excelente oportunidade. Com um cenário de juro real negativo, quem quiser preservar o capital terá nos imóveis uma das melhores opções. Hoje, quem consegue uma aplicação com uma taxa equivalente a 100% da Selic (2% ao ano) terá um retorno bruto de 0,1651% ao mês. No entanto, não é difícil encontrar um imóvel alugado retornando 0,40% brutos ao mês. O que você prefere? Ainda que você desconte a taxa de administração e o imposto de renda sobre o aluguel, o valor ficará acima de 0,27% ao mês, ou 3,29% ao ano. Se os imóveis estão com preço defasado e ainda podem retornar um valor de aluguel bem acima da Selic, qual melhor oportunidade que esta?
Poucas vezes em nossa história encontramos um momento como esse. Não é à toa que os investidores institucionais estão atuando fortemente na ponta da compra.
Lembrando o “bolhômetro” do UBS, tudo indica que estamos, ao contrário da Europa e Estados Unidos, no início do boom do mercado imobiliário brasileiro. Embora eu seja um operador ativo desse mercado, espero que a robustez dos fatos e dados apresentados possam sobrepor qualquer percepção que não seja a de contribuir para a melhor compreensão desse cenário.
Ariano Cavalcanti de Paula