Tokenização de Imóveis: Avanços, Desafios e Limites Regulatórios no Brasil

Tokenização de Imóveis: Avanços, Desafios e Limites Regulatórios no Brasil

Out | 2025 – A tokenização de imóveis vem ganhando cada vez mais destaque nas discussões sobre inovação no mercado imobiliário. Essa tecnologia, baseada em blockchain, permite representar digitalmente ativos reais — como imóveis — por meio de tokens, que oferecem a vantagem de podem ser fracionados e negociados de forma segura e transparente.

Ao transformar um bem físico em um ativo digital negociável, a tokenização promete democratizar o investimento imobiliário, aumentar a liquidez do mercado e reduzir custos de intermediação. No entanto, apesar de todo o potencial, o avanço dessa inovação ainda enfrenta barreiras regulatórias, jurídicas, tecnológicas e culturais no Brasil.

Barreiras ao avanço da tokenização imobiliária

a) Barreiras regulatórias

O principal obstáculo é a ausência de um marco regulatório específico. A CVM e o Banco Central ainda avaliam como enquadrar os tokens imobiliários — se como valores mobiliários, ativos digitais ou representações contratuais.

Essa indefinição cria insegurança para emissores e investidores, já que não há regras claras sobre:

  • quando um token é considerado valor mobiliário;
  • como deve ser feita sua custódia;
  • como funcionará um eventual mercado secundário para negociação;
  • e qual será a interface entre blockchain e o sistema financeiro nacional.

b) Barreiras jurídicas

Do ponto de vista legal, a tokenização ainda não equivale à transferência de propriedade. A Lei de Registros Públicos exige que qualquer alteração de titularidade de um imóvel passe por cartório, e a legislação atual não reconhece o token como título de domínio.

Além disso:

  • a tokenização de frações de imóveis ainda carece de respaldo jurídico;
  • não há previsão clara sobre execução de garantias ou penhora de tokens;
  • e persiste uma distância entre o registro físico e o registro digital do bem. 

c) Barreiras tecnológicas

Apesar de o Brasil possuir um ecossistema avançado, faltam padrões técnicos e interoperabilidade entre sistemas. Hoje, blockchain, instituições financeiras e cartórios ainda operam de forma isolada, dificultando a integração necessária para uma tokenização juridicamente válida e operacionalmente eficiente.

d) Barreiras culturais e de mercado

Por fim, há resistências naturais. O setor imobiliário é tradicionalmente conservador e ainda há desconhecimento e desconfiança sobre ativos digitais.

A falta de liquidez imediata e de casos consolidados de sucesso também contribui para a cautela dos investidores.

O papel do DREX e o avanço regulatório

Apesar dos desafios, o cenário vem evoluindo. O Banco Central do Brasil está desenvolvendo o DREX, o real digital, que servirá como infraestrutura oficial para liquidação de transações tokenizadas.

O DREX permitirá:

  • pagamentos e liquidações em tempo real;
  • integração com smart contracts, automatizando processos como financiamento e registro de garantias;
  • e conexão entre o sistema financeiro tradicional e o mercado de ativos digitais.

Essa integração será essencial para que a tokenização imobiliária alcance escala e segurança regulatória. Mas ainda restam muitas dúvidas acerca do DREX, basta lembrar que já passou por três grandes mudanças antes mesmo da sua definição final. Nasceu como Real digital de atacado e varejo, rodando sobre uma blockchain permissionária (não pública), depois mudou para Real digital somente de atacado utilizando a blockchain Hyperledger da IBM. Por último, o Banco Central desistiu de utilizar a blockchain como tecnologia para o DREX.

Sandbox regulatório da CVM

A CVM também vem testando novos modelos no seu sandbox regulatório, um ambiente controlado onde empresas podem operar projetos inovadores sob supervisão direta.

Ali já foram testadas emissões de tokens lastreados em imóveis e recebíveis imobiliários, com resultados promissores.

Esses testes permitem à CVM construir parâmetros de governança, transparência e informação ao investidor, aproximando a regulação da prática de mercado.

 

Digitalização dos cartórios e interoperabilidade

O Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (Serp), criado pela Lei nº 14.382/2022, é outro avanço importante.

Ele moderniza o sistema cartorial brasileiro, permitindo:

  • registros e averbações eletrônicas;
  • assinatura digital com validade jurídica;
  • integração entre bancos de dados públicos e privados.

Esse movimento abre espaço para que, no futuro, os tokens possam se vincular diretamente às matrículas dos imóveis, conferindo segurança jurídica e equivalência legal.

 

Iniciativas privadas e amadurecimento do mercado

Fintechs, incorporadoras e plataformas de investimento coletivo vêm testando modelos de tokenização de aluguéis, cotas de empreendimentos e direitos creditórios.

Alguma empresas, como a Netspaces, vem implantando com sucesso a plataforma de tokenização e custódia, incluindo toda orientação sobre o processo de averbação da digitalização na matrícula do imóvel.

Em parceria com a Netspaces, o Sicoob Imob está em fase bem adiantada para oferecer operações de financiamento com alienação dos tokens imobiliários. Uma iniciativa que pode ampliar de forma significativa os horizontes desse segmento. A última barreira está no campo regulatório, aguardando autorização do Banco Central do Brasil.

Essas experiências são fundamentais para educar o mercado e gerar casos de sucesso, mostrando que a tokenização pode ser viável, segura e vantajosa quando bem estruturada.

 

O COFECI pode regular a tokenização?

A recente Resolução nº 1.551/2025 do COFECI (Conselho Federal de Corretores de Imóveis) trouxe o tema à tona, mas é importante esclarecer seus reais limites de atuação. Tanto é que, no última dia 13 de outubro, a 21ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal acatou a ação movida pelo Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (ONR) e determinou que o conselho  extrapolou sua competência ao tentar legislar sobre o registro de imóveis e ativos virtuais.

O COFECI é uma autarquia federal com competência restrita ao exercício profissional da corretagem imobiliária, conforme a Lei nº 6.530/1978. Ele não possui poder regulatório sobre o mercado financeiro, sobre ativos digitais ou sobre a emissão e custódia de tokens.

Em outras palavras:

  • o COFECI pode orientar corretores sobre como atuar na intermediação de imóveis tokenizados;
  • pode definir regras éticas e boas práticas para o setor;
  • mas não pode disciplinar ou autorizar a emissão de tokens, tampouco definir o que é ou não valor mobiliário.

Essas competências pertencem exclusivamente à CVM, ao Banco Central e, em alguns casos, aos cartórios de registro.

A resolução do COFECI, portanto, tem valor orientativo e educativo, e não força normativa sobre o mercado de ativos digitais.

 

Caminho para um mercado tokenizado

O avanço da tokenização imobiliária depende da convergência entre tecnologia, regulação e confiança.

Com o DREX, o sandbox da CVM, a digitalização dos cartórios e a atuação responsável das plataformas privadas, o Brasil está construindo uma base sólida para esse novo mercado.

O próximo passo será a criação de um mercado secundário estruturado, que trará liquidez e escala às negociações.

Quando isso acontecer, a tokenização deixará de ser uma promessa e se tornará parte integrante da engrenagem do mercado imobiliário brasileiro.

 

Conclusão

A tokenização de imóveis representa um marco de transformação no setor imobiliário, unindo tecnologia, finanças e governança.

Embora ainda dependa de definições legais e regulatórias, já se consolida como um dos caminhos mais promissores para tornar o mercado mais acessível, transparente e dinâmico.

O futuro da intermediação e do investimento imobiliário será inevitavelmente tokenizado — mas regulado, seguro e integrado ao sistema financeiro nacional.

 

Ariano Cavalcanti de Paula