Out | 2018 – O mundo está mudando rápido demais. Talvez esse seja o grande consenso no ambiente corporativo atual. E está tão rápido que estamos vivendo a era da ansiedade coletiva. Pesquisadores de diversas universidades europeias e norte-americanas registram que os executivos e empreendedores estão enfrentando enorme dificuldade em lidar com as incertezas de um presente instável e de um futuro incerto. A velocidade das mudanças aniquilou o conforto típico dos cenários previsíveis.
Alguns autores atribuem essa ansiedade à velocidade das coisas e não somente das mudanças, posto que o mundo sempre evoluiu. Ocorre que, numa evolução exponencial, o ritmo aumenta em ciclos de curvas mais íngremes, a exemplo da Lei de Moore que está praticamente quebrada por essa mesma razão. Só para lembrar, a previsão de Moore era que o número de transistores que cabe em um chip deveria dobrar a cada 18 meses, mantendo o mesmo custo, o que de fato ocorreu. Para ilustrar, segundo a Intel, se no início da década de 70 existisse um celular capaz de rodar o sistema operacional iOs, só o processador ocuparia a vaga de um carro.
Noutra vertente, alguns atribuem essa ansiedade à globalização. No entanto, dizer que o mundo está globalizado ficou tão antigo quanto dizer que uma empresa tem um site na internet. O mundo é globalizado desde as mais antigas migrações e colonizações. Basta lembrar que os chineses e etruscos rodaram o planeta antes do século XIV. O que vivemos hoje é o fenômeno da hiper conexão, que conecta os mercados e a sociedade em tempo real. A velocidade da comunicação é o que difere o mundo globalizado do mundo em modo online, estabelecendo um novo patamar para as relações humanas e comerciais.
Não importa a teoria, o fato é que saímos de uma esteira de evolução previsível e linear para outra exponencial e volátil, o que muitos preferem chamar de Mundo V.U.C.A. Pela primeira vez, além da quebra da lei de Moore, o volume e a relevância das mudanças que aconteciam em mais de 100 anos passam a ocorrer no transcurso de uma mesma geração. Em seus livros Sapiens e Homo Deus, Yuval Harari compartilha uma percepção semelhante, propondo que a revolução compreendida pela biotecnologia trará, brevemente, processamentos que ultrapassarão a velocidade do cérebro humano, rompendo grande parte das referências atuais. A inteligência artificial (com o prudente cuidado de não confundir com automação robótica) está prestes a tonar-se escalável, assumindo de fato diversas funções humanas. Pela primeira vez na história escrita veremos crianças que não terão um cardápio de profissões a escolher para o futuro. Não por falta de opções atuais, mas por não saberem quais serão as profissões existentes ao alcançarem a idade ativa.
A revolução da biotecnologia, que compreende o entendimento profundo do comportamento das pessoas (que hoje já é realizado por diversos meios: rede sociais, navegadores web dentre outros) associado às medições biológicas (que já existem em diversos dispositivos de forma oculta) permite a empresas como Google, Apple, Facebook e outras, a nos conhecer melhor que nós mesmos. Lembram-se do ZMOT (Zero Moment of Truth)? Voltando ao Harari, essa revolução caminha para romper a “caixa preta” da individualidade humana, ou seja, o livre arbítrio estará sujeito ao viés dos algoritmos e às influências daqueles que nos conhecem melhor do que nós.
A velocidade das coisas, compreendendo uma escalada do processamento inteligente, da compreensão avançada da complexidade humana e da supressão de atividades laborais, é impulsionada em solo fértil por Peter Diamandis (co-fundador da Singularity University), em sua teoria da abundância, onde insumos anteriormente escassos e, via de regra geradores de riquezas, tornam-se abundantes. Para citar alguns: energia, dinheiro, tempo, recursos e água. Sim, a água! Novas tecnologias de captação de luz solar estão derrubando o custo da produção para quase zero. O excesso de liquidez mundial já criou inúmeras plataformas de créditos P2P ou seja, direto entre tomadores e fornecedores, quebrando o monopólio da banca internacional. Novas nanotecnologias (como a SlingShot) de dessalinização da água do mar estão crescendo e barateando de forma exponencial. Segundo Diamandis, “a escassez é contextual, e a tecnologia é uma força liberadora de recursos”. Para ilustrar, o alumínio foi um elemento mais raro e bem mais caro que o ouro e a prata até que o processo da eletrólise, descoberto por Paul Lois Toussaint Héroult e Charles Martin Hall em 1886, promovesse o barateamento da sua produção e o tornasse um dos metais mais abundantes do planeta. Alguém naquela época poderia prever essa inversão?
Associando a questão da abundância à velocidade das mudanças, Diamandis propõe um gráfico que denomina de Curva 6D, onde o processo de uma inovação cresce exponencialmente em seis etapas:
Onde:
1) Digitalização: é o processo de transformação digital, remetendo processos analógicos para digitais como o ocorrido com a fotografia.
2) Decepção: é o período do “mormaço” quando, por sua incipiência, a tecnologia ainda é desacreditada, menosprezada e tem pouca repercussão. A impressão 3D foi assim por muito tempo e hoje vivenciamos algo semelhante com as criptomoedas.
3) Disrupção: Quando a nova tecnologia supera o paradigma anterior em eficácia e custo. Exemplos: fotografia digital, transporte por aplicativos, celulares etc.
4) Desmaterialização: Quando o produto ou solução antiga sucumbe ao produto de uma inovação. O celular é um dos melhores exemplos. Sobrepôs o GPS, a calculadora, o videogame, o rádio, câmera fotográfica e outros.
5) Desmonetização: No início, o produto da inovação tende ser caro mas seu preço vai caindo exponencialmente. As máquinas fotográficas digitais sobrepuseram os filmes, que caíram em desuso e perderam valor. Outros exemplos: celular, computadores, internet.
6) Democratização: é o ponto em que tecnologia torna-se acessível a uma grande massa da população. O smartphone pode ser um grande exemplo, ele integra diversas funções que há pouco tempo eram um luxo restrito a poucos.
A proposta de Diamandis coincide com outras constatações, reafirmando a percepção de que as empresas não conseguem acompanhar a evolução tecnológica, gerando um descompasso relevante em relação ao mercado. Esse GAP de performance resulta numa janela de oportunidades para startups e novos concorrentes. A figura abaixo, resultado de uma pesquisa da Deloitte University, demonstra como a velocidade das mudanças está produzindo um flanco de exposição para grande parte das organizações.
Nesse GAP tecnológico aparecem várias iniciativas focadas na desintermediação de mercados. Embora a maioria não feche a conta, a sedução do argumento da escalabilidade relembra o início dos anos 2.000, quando uma onda de empresas de tecnologia abriram capital, venderam ilusões mas não se concretizaram. Parece que cultuamos uma tendência de viajar aos extremos, celebrando a desintermediação como a palavra de ordem. Seria o fim do “midle man” ou a sua recriação em novas vestes? Seria o mundo totalmente digital a melhor alternativa?
Paradoxalmente, num momento em que o lema “quero usar, não quero possuir” se estabelece como o novo paradigma, o produto conveniência reluz como a grande descoberta do milênio. De olho nesse filão, as economias colaborativas e compartilhadas convergem para esse ponto. As agências de turismo que souberam se adaptar e passaram a oferecer serviços de conveniência relevantes, conseguiram mitigar o forte processo de desintermediação que assolou o setor. Movimento semelhante já ocorre nos mercados financeiro, educacional e imobiliário. Existem empresas que administram imóveis que estão ofertados no Airbnb, justamente porque os proprietários não desejam lidar com os aborrecimentos cotidianos da sua gestão.
Ainda sobre os extremos, a proposta do Figital, resultado da união dos mundos físico e digital, vem constituindo uma estratégia relevante para o enfrentamento da digitalização a qualquer preço. A moderação e o alinhamento com as expectativas reais do consumidor parecem prevalecer mais uma vez. Felizmente.
O fato é que a dificuldade de acompanhar todas as mudanças associada à teoria da escassez contextual, coloca todo negócio indistintamente sob ameaça, exigindo uma vigilância constante. As palavras startup, inovações disruptivas, digitalização e desintermediação de mercados soam como um trovão, amplificando a ansiedade coletiva que permeia o mundo corporativo.
A boa notícia é que nem só de digital e startups vive o mundo, pelo contrário, quem de fato segura a onda da economia mundial são as empresas estabelecidas e lucrativas que conseguem se adaptar aos desafios. Como inovar é caro, os casos de maior sucesso residem naquelas organizações que aproveitam as interconexões para promover a inovação de forma colaborativa, como incubadoras, coworking de startups ou especialmente as integradoras, conectando parceiros estratégicos numa rede de negócios em que todos ganham escala e produtividade.
Ao que parece a velocidade das coisas não deve mudar, pelo contrário. Aos empreendedores caberá o desafio de reunir mais habilidades, sobretudo a sabedoria de lidar com as novas regras, trocando a ansiedade pelo foco em agregar conveniência para os seus clientes. Num mundo em aceleração, as pessoas tenderão a demandar cada vez mais por produtos e serviços que lhes poupem tempo e resultem numa clara percepção de ganho de qualidade de vida.
Ariano Cavalcanti de Paula